A DISPENSA DE LICITAÇÃO: MEDIDAS DO DIREITO PÚBLICO PARA O ENFRENTAMENTO DA PANDEMIA DO CORONAVÍRUS
- Isabella Leite Santos
- 19 de mai. de 2020
- 14 min de leitura
Resumo: O propósito central deste artigo será analisar os instrumentos jurídicos no âmbito do direito administrativo para o enfrentamento do coronavírus. Este artigo terá como ênfase o procedimento licitatório e a respectiva dispensa de licitação levando a contratação direta. Uma questão polêmica resultante das medidas urgentes a serem tomadas para o combate à pandemia.
Palavras-chave: Direito Administrativo. Licitações. Dispensa de Licitação. Lei 8.666/93. Medida Provisória nº 926, de 2020. Coronavírus. Requisição administrativa. Contratação Direta.
Sumário: Introdução. 1 – Noções Gerais De Licitação – 1.1 A Licitação No Ordenamento Jurídico Brasileiro. – 1.2 Da Obrigatoriedade De Licitar. – 1.3 Da Contratação Direta: Distinção Entre Dispensa E Inexigibilidade De Licitação. – 1.4 Da Licitação Dispensável. 2 O Direito Público No Combate À Pandemia – 2.1 MP 926/2020 e Lei Nº 13.979/2020. – 2.2 Da Escolha Entre Requisição E Contratação Direta. Considerações Finais.
INTRODUÇÃO
A pandemia causada pelo coronavírus está impactando as relações jurídicas privadas assim como na administração pública. Neste artigo serão analisados os mecanismos do direito público que podem ser implementados para o enfrentamento do coronavírus.
1 NOÇÕES GERAIS DE LICITAÇÃO
A licitação é um procedimento administrativo no qual a administração pública se utiliza para chegar a uma contratação, adquirindo serviços, bens.
Evidentemente, que pode haver um procedimento e não haver uma contratação, pois a licitação busca encontrar a proposta mais vantajosa à administração pública, então se o objeto da contratação deixa de ser a mais vantajosa, como por exemplo, a queda excessiva no preço de um produto, onde o valor de referência deixa de ser compatível ao preço oferecido pelo mercado, não se realiza a contratação.
A licitação possui fase interna, dentro do órgão, e fase externa, quando a licitação é aberta aos concorrentes, que normalmente segue a ordem edital, habilitação, julgamento, homologação e adjudicação.
Qualquer contratação que a administração for realizar, via de regra, deve ser precedida de licitação, independente do objeto da contratação. Sejam compras, locações, alienações, obras, devem ser feitas por meio de um procedimento.
Apesar de ser um procedimento obrigatório, há situações em que realiza-se o procedimento e não se chega a uma contratação, assim como há situações em que realiza uma contratação e sem o prévio procedimento
1.1 A licitação no ordenamento jurídico brasileiro
A licitação está prevista em vários diplomas do ordenamento jurídico, na Constituição Federal está presente no art. 37, XXI, onde se aponta a necessidade dos contratos serem firmados mediante licitação:
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. (BRASIL, 1988) - grifo nosso.
Pode-se observar que a própria Constituição Federal já inicia o assunto apontando a existência de exceções.
O dispositivo constitucional se trata de uma norma de eficácia limitada por depender de uma lei para regulamentar essa matéria. A regulamentação da constituição está principalmente na lei 8.666/93.
Art. 1o Esta Lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. (BRASIL, 1993).
O âmbito dessa lei é nacional, o que implica na vinculação da administração direta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, como também à outros órgãos conforme destaca-se do art. 1 parágrafo único da lei 8.666/93.
Parágrafo único. Subordinam-se ao regime desta Lei, além dos órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. (BRASIL, 1993).
Visto isso, percebe-se que na administração indireta, a lei de licitações aplica-se às autarquias, fundações, as empresas públicas e a sociedade de economia mista. Cabe ressaltar que essas empresas estatais possuem um estatuto próprio acerca do tema que é a lei 12.303/2006. E por fim, se tem as entidades privadas controladas que se submetem ao procedimento da licitação.
Quanto a competência para legislar sobre a matéria é da união, o que destaca-se do Art. 22, XXVII da CF
XXVII - normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III. (BRASIL, 1988)
Ou seja, a competência é privativa mas apenas no que tange a elaboração de normas gerais. Se o estado legislar, tendo em vista uma inércia da União, essa lei será inconstitucional, salvo se a união delegar ao estado por meio de lei complementar a competência para legislar sobre o assunto. O que não se confunde com a competência concorrente, na qual, enquanto a união não legislar sobre o tema o estado pode legislar, e se a união vier a legislar, o que foi legislado pelo Estado acerca de norma geral perde a sua eficácia.
1.2 Da obrigatoriedade de licitar
O princípio da obrigatoriedade da licitação exige que o gestor primeiro licite para depois contratar. “[...] as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública [...]” (BRASIL, 1993).
O que também é previsto na lei 8.666/93
Art. 2o As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei. (BRASIL, 1993)
Entretanto, há hipóteses em que é possível contratar sem licitar, que é o caso da contratação direta, uma exceção ao presente princípio, situações em que é possível haver a contratação sem ter o procedimento licitatório. O que será visto com maior aprofundamento no tópico seguinte.
1.3 Da Contratação direta: Distinção entre Dispensa e Inexigibilidade de Licitação
As contratações diretas são divididas em dispensa de licitação e inexigibilidade.
A diferença básica entre as duas hipóteses está no fato de que, na dispensa, há possibilidade de competiçäo que justifique a licitação; de modo que a lei faculta a dispensa, que fica inserida na competência discricionária da Administraçäo. Nos casos de inexigibilidade, näo há possibilidade de competição, porque só existe um objeto ou uma pessoa que atenda às necessidades da Administração; a licitaçäo é,portanto, inviável. (DI PIETRO, 2020)
Haverá inexigibilidade sempre que não poder ter o pressuposto básico da licitação que é a competição. A licitação é feita partindo do pressuposto que irá ter uma competição entre pessoas para buscar a proposta mais vantajosa. então se não tem competição não tem como ter competição.
Outro caso de contratação direta se dá quando a licitação é inexigível. Sendo pautada no fato da competição ser inviável. Com previsão no art. 25 da lei 8.666/90, trazendo um rol exemplificativo, prevendo três casos inexigibilidade de licitação.
A primeira hipótese ocorre quando estamos diante de um fornecedor exclusivo:
I - para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca [...](BRASIL, 1993).
Sendo, todavia, vedado utilizar-se da marca para definir a inexigibilidade. Suponhamos que um único fornecedor vende 3 marcas diferentes, então estamos diante da inexigibilidade.Todavia, em outra hipótese há apenas uma marca que produz o bem que a administração deseja adquirir, porém 3 fornecedores, torna-se, nesse caso necessária a realização da licitação.
A comprovação de exclusividade deve ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação que não há outros fornecedores.
Hely Lopes Meirelles chama isso de praça de comércio (MEIRELLES, 2018), pela comprovação de exclusividade não precisar ser feita em todo o país, porém, há necessidade da publicação na imprensa oficial, para eventual impugnação de eventuais fornecedores existentes.
A licitação também é inexigível para contratação de serviços especializados artista consagrado profissional ou empresa para serviço singular.
Já na dispensa de licitação é prevista em dois artigos da Lei 8.666/93, no artigo 17, que trata da dispensa obrigatória, denominada pela lei de licitação dispensada, e a do art. 24 é uma dispensa facultativa, denominada licitação dispensável. Sendo todas as hipóteses de dispensa definidas taxativamente pela lei (CARVALHO FILHO, 2020).
Em ambas as hipóteses é possível a competição, mas a lei veda expressamente no caso deste da licitação dispensada. Sendo um ato vinculado ao gestor, ou seja, obrigatoriamente deve dispensar.
Já na licitação dispensável, pode ou não ser dispensada, a realização da licitação fica a critério da autoridade, por ser um ato discricionário.
A licitação Dispensável será melhor estudada no tópico seguinte isoladamente por ser a essência deste artigo.
1.4 Da licitação dispensável
Na licitação dispensável, a realização de licitação é facultativa, isso implica dizer que é possível a realização de licitação, porém a decisão de realizar ou não esse procedimento estará a cargo do juízo de conveniência e oportunidade do administrador.
Aquela tem previsão no art. 24 do Estatuto e indica as hipóteses em que a licitação seria juridicamente viável, embora a lei dispense o administrador de realizá-la. (CARVALHO FILHO, 2020)
A Lei de licitações prevê que será dispensável a licitação para obras de engenharia com valor de 33 mil reais ou para outros serviços e compras e alienações de valor até 17600 mil, podendo esse limite ser dobrado se forem contratados na hipótese prevista no parágrafo primeiro do Art. 17 da lei 8666/93.
§ 1o Os percentuais referidos nos incisos I e II do caput deste artigo serão 20% (vinte por cento) para compras, obras e serviços contratados por consórcios públicos, sociedade de economia mista, empresa pública e por autarquia ou fundação qualificadas, na forma da lei, como Agências Executivas. (BRASIL, 1993)
Tendo em vista ainda que alguns gestores burlam essa regra e adquirem uma obra de forma parcelada para dispensar a licitação, que é o caso da reforma de um imóvel da administração que custaria 500 mil reais, mas a obra é realizada de forma parcelada, para viabilizar diversas contratações no valor de 33 mil reais, por isso essa conduta foi expressamente proibida na lei 8666/93: “desde que não se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente” (BRASIL,1993).
A licitação também é dispensável quando a licitação é deserta, fracassada, nos casos de guerra ou grave perturbação da ordem, no caso de remanescente de obra, na compra de hortifrutigranjeiros, na contratação de algumas instituições como bancas de concurso, assim como a restauração de obras de arte, dentre outros.
Mas a hipótese mais importante, para o estudo do presente trabalho, é a previsão de dispensa em situações emergenciais.
IV - nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares [...]
Tal previsão é o que tem levado à dispensa de licitação no caso do combate ao coronavírus. A situação de emergência é definida pelo decreto nº 7.257, de 4 de agosto de 2010 como:
III - situação de emergência: situação anormal, provocada por desastres, causando danos e prejuízos que impliquem o comprometimento parcial da capacidade de resposta do poder público do ente atingido;
IV - estado de calamidade pública: situação anormal, provocada por desastres, causando danos e prejuízos que impliquem o comprometimento substancial da capacidade de resposta do poder público do ente atingido; (BRASIL, 2010)
Mas a dispensa é restrita, conforme podemos ver na continuidade do dispositivo: “[...] e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa.” (BRASIL, 2010)
Logo, não basta a situação de calamidade pública para dispensar a licitação, é necessário ainda que o bem/serviço que está sendo contratado seja para o combate da pandemia, como por exemplo a compra de respiradores. Veja que não pode o gestor, valer-se da calamidade pública causada pela pandemia como justificativa, realizar a compra de canetas sem licitação, deve ter um nexo causal com a situação especial do país.
O Tribunal de Contas da União entende ainda que se a emergência foi causada por conduta negligente do gestor, ainda pode ser realizada a contratação emergencial, estando o gestor está sujeito a responsabilização pessoal no caso de superfaturamento
§ 2o Na hipótese deste artigo e em qualquer dos casos de dispensa, se comprovado superfaturamento, respondem solidariamente pelo dano causado à Fazenda Pública o fornecedor ou o prestador de serviços e o agente público responsável, sem prejuízo de outras sanções legais cabíveis.
Por fim, a execução do contrato, a realização de obras e serviços devem ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, sendo vedada a prorrogação dos respectivos contratos. Esse prazo para a conclusão conta-se a partir da calamidade pública (e não da assinatura do contrato).
O prazo, em princípio, deve ser considerado peremptório, impedindo-se o cometimento de desvios de finalidade, mas, atendendo ao espírito da norma, tem-se admitido a sua flexibilização quando inviável a sua observância sem culpa da Administração (CARVALHO FILHO, 2020).
2 O DIREITO PÚBLICO NO COMBATE À PANDEMIA
A pandemia do coronavirus trouxe uma situação de excepcionalidade. O reflexo provocado pelo coronavírus nas relações jurídicas, isso inclui a administração pública
Foram criadas novidades na licitação com a intenção de agilizar as compras governamentais diante de um novo cenário. Com o fim de combater a pandemia, tiveram medidas de contenção e prevenção
Um exemplo de uma medida adotada pelo governo diante do cenário foi a edição da lei nº 13.979/2020 e posterior medida provisória nº 926/2020 que dispuseram sobre as medidas que poderão ser tomadas pela administração pública.
2.1 MP 926/2020 e lei nº 13.979/2020
A medida provisória nº 926/2020 alterou a lei nº 13.979/2020, estabelecendo procedimentos mais céleres e flexíveis para as contratações emergenciais em tempos da pandemia.
Importante destacar que a lei nº 13.979/2020 e a medida provisória 926/2020 tem como objetivo atender as necessidades da pandemia, então a tendência é perderem a validade após a superação da situação emergencial causada pelo coronavírus, por ser uma lei temporária.
A lei 8666/90 já prevê essas hipóteses de contratação emergencial, então o que essa regulação faz é trazer especificidades para essa dispensa no combate à pandemia.
A administração pública, como visto em tópicos anteriores tem procedimentos para a aquisições de bens, serviço e obras, onde, via de regra mostra-se necessário um processo de licitação.
Essa medida provisória tratou de situações específicas de dispensa de licitação em caráter emergencial, visando a aceleração da capacidade de contratação, prevendo flexibilizações, tais como na elaboração do termo de referência do projeto básico da contratação, na apresentação de documentos de habilitação na licitação, podendo alguns inclusive, serem dispensados (QUINTELLA, 2020).
Possibilitou a contratação de pessoas que foram sancionadas por inidoneidade ou suspensão de contratar com o poder público, mas somente na hipótese da empresa for a única fornecedora, então mesmo sancionada, o poder público poderia contratá-la.
Foi instituída a dispensa de licitação para bens e serviços, abrangendo os serviços de engenharia (AGÊNCIA CÂMARA DE NOTÍCIAS, 2010).
Autorizou a contratação de empresa que está com o direito de contratar com a administração pública suspenso ou tenha sido declarada inidônea, mas apenas no caso dessa empresa ser a única fornecedora do objeto a ser contratado.
Outra novidade trazida pela MP foi a autorização da aquisição de bens usados desde que o bem esteja com sua qualidade mantida. Nesse sentido, pode-se ter a situação da aquisição pela administração de respiradores usados de hospitais, privados, que estão em condições de uso.
Também regulou o processo licitatório ao reduzir pela metade o prazo do pregão para a aquisição de bens e serviços comuns, nas contratações para o combate a pandemia, como, por exemplo a aquisição de máscaras. Dessa forma, o prazo para divulgação da contratação que era de 8 dias passa a ser de 4 dias.
Além disso, a eventual interposição de recurso à licitação terá efeito unicamente devolutivo, e não suspensivo, sendo possível a contratação e aquisição de bens mesmo com a pendência de recursos (VIVACQUA, 2020).
Na lei de licitações, como apresentado acima, só é permitido contratar, em caso de dispensa emergencial de licitação, por 180 dias (6 meses), sem prorrogação. Porém, os contratos celebrados para o combate ao coronavírus terão vigência de 6 meses, prorrogáveis por igual período enquanto durar a pandemia (JUSTEN FILHO, 2018).
Outra flexibilização prevista foi a eventual necessidade de alteração unilateral do contrato, uma prerrogativa da administração pública, onde na lei de licitações é permitido a alteração do contrato em 25% (via de regra),a MP ampliou para cinquenta por cento, quando a alteração for para o combate à pandemia (JUSTEN FILHO, 2018).
Foram reguladas novas hipóteses de dispensa de licitação, no artigo 4º, não restringindo a aquisição a equipamentos novos, desde que fornecedor se responsabilize pelas plenas condições de uso e funcionamento do bem:
Art. 4º Fica dispensada a licitação para aquisição de bens, serviços e insumos de saúde destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus de que trata esta Lei. (BRASIL, 2020)
Ressalta-se ainda que própria medida provisória prevê que as escolhas pelos gestores deve ser marcada por questões científicas, não pode por questões ideológicas realizar as medidas citadas.
§ 1º As medidas previstas neste artigo somente poderão ser determinadas com base em evidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em saúde e deverão ser limitadas no tempo e no espaço ao mínimo indispensável à promoção e à preservação da saúde pública. (BRASIL, 2020)
.
2.2 Da escolha entre requisição e contratação direta
A constituição traz ainda a possibilidade da requisição, o que pode ser necessária pela ampliação da capacidade da saúde pública de atendimento aos doentes, e com o consequente aumento da necessidade dos profissionais de saúde (onde há uma quantidade limitada na secretaria de saúde e muitos estão sendo afastados por estarem contaminados com o vírus).
Mas há medidas menos extrema que é a previsão constitucional de contratação temporária de servidores sem concurso público, o que seria uma solução menos restritiva:
Art. 37. IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público; (BRASIL, 1988)
A requisição administrativa pode envolver tanto bens como serviços (que é muito comum no serviço militar). Ocorre que é desrazoável requisitar profissionais da rede privada para atuação na rede pública, pois, como já apresentado, tem outra solução para o mesmo fim, menos restritiva da propriedade que é a contratação de pessoal, que seria uma contração voluntária da administração com o profissional de saúde. Por isso, a requisição deve ser a ultima ratio.
No mesmo norte deve seguir a requisição de bens, dado que, se o poder público requisita, tanto o profissional quanto o bem do hospital privado, desabastece o hospital privado, que muitas vezes está prestando o mesmo atendimento à saúde das pessoas.
Uma situação é a eventual requisição de respiradores de uma empresa que fabrica respiradores, diferentemente seria a requisição de respiradores de hospitais privados que já estão sendo usados em pacientes.
Sendo diferente da requisição de um estádio para construção de hospital de campanha, o que é mais razoável, pois nesse caso não se está retirando da saúde para colocar na saúde, mas sim utilizando um bem que no momento da pandemia está ocioso.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pandemia causada pelo coronavírus se trata de um momento excepcional, onde medidas devem ser tomadas com urgência mas há a inevitável preocupação acerca de gestores querendo se aproveitar dessa situação e aproveitarem dos mecanismos mais flexíveis para fazer compras que não deveriam fazer.
Essa flexibilização não pode configurar uma autorização para o gestor adquirir o que quiser, não podendo utilizar a medida provisória para contratações que não tenham qualquer relação com a o combate à poderia.
Em observância ao princípio da motivação dos atos administrativos, exige o Estatuto que sejam expressamente justificados no processo os casos de dispensa de licitação previstos no art. 24, inciso III ss, do Estatuto, devendo o administrador comunicar a situação de dispensa em três dias à autoridade superior, e a esta caberá ratificá-la e publicá-la na imprensa oficial em cinco dias; a publicação é condição de eficácia do ato. O mesmo, aliás, se exige para os casos de inexigibilidade, previstos no art. 25 do Estatuto (CARVALHO FILHO, 2020)
Nesse momento é indispensável a motivação do ato, devendo o administrador ter muita cautela na utilização da lei 13.169 e justificar isso muito bem a aquisição, até mesmo para viabilizar a fiscalização posterior do tribunal de contas, devendo fundamentar a dispensa da licitação em pareceres técnicos da área da saúde justificando que aquela contratação é necessária para o tratamento dos infectados.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição Da República Federativa Do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1998. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm. Acesso em: 18 mai. 2020.
BRASIL. DECRETO Nº 7.257, DE 4 DE AGOSTO DE 2010. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 4 ago. 2010. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/2010/decreto-7257-4-agosto-2010-607732-normaatualizada-pe.html. Acesso em: 18 mai. 2020.
BRASIL. Lei n. 8.666, DE 21 DE JUNHO DE 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 21 jun. 1993. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm. Acesso em: 14 mai. 2020.
BRASIL. Lei n. 13.979, de 6 de fevereiro de 2020. Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 06 fev. 2020. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L13979.htm. Acesso em: 14 mai. 2020.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 34. ed. São Paulo. Atlas, 2020.
JUSTEN FILHO, Marçal. Um Novo Modelo de Licitações e Contratações Administrativas?, 2020, pg. 17-18. Disponível em < https://www.justen.com.br/pdfs/IE157/IE%20-%20MJF%20-%20200323_MP926.pdf > Acesso em 21 mai. 2020
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 33. ed. São Paulo: GEN - Forense, 2020.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 43. ed. São Paulo. Malheiros, 2018.
Siqueira, Carol. MP dispensa licitação de compras e obras durante pandemia de coronavírus. Agência Câmara de Notícias, 21 mar. 2020. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/647218-mp-dispensa-licitacao-de-compras-e-obras-durante-pandemia-de-coronavirus/. Acesso em: 14 maio 2020.
QUINTELLA, Luiz; GONZAGA, Júlia de Almeida. Dispensa de licitação para combate ao coronavírus: análise da hipótese de contratação direta da Lei 13.979/2020. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 25, n. 6117, 31 mar. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/80678. Acesso em: 14 maio 2020.
Vivacqua, Paula Pincelli Tavares. Licitações - Coronavírus - MP 926/20. Migalhas, 30 mar. 2020. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/322968/licitacoes-coronavirus-mp-926-20. Acesso em: 14 maio 2020.
Comments