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Institutos do Processo Civil: Diferenças entre a Jurisdição e Competência

  • Foto do escritor: Isabella Leite Santos
    Isabella Leite Santos
  • 23 de jun. de 2020
  • 7 min de leitura

O presente trabalho objetiva distinguir a jurisdição da competência. Para isso ser possível, será primeiro estudado minuciosamente a jurisdição, trazendo seus princípios e características, para depois ser possível o estudo da competência, analisando a competência absoluta e relativa, para ao final, ser possível o aprofundamento nas diferenças de ambos institutos processuais.

A jurisdição compreende a junção de duas palavras na qual “juris” significa direito e “dição”, vem da palavra dictum que significa dizer, em outras palavras que alguém vai dizer o direito.

Tratando-se do poder que o Estado confere a determinado segmento de dizer o direito em um caso concreto. Tratando-se de um conceito abstrato.

Para uma melhor elucidação sobre o tema, será utilizada a definição de jurisdição segundo Didier:


A jurisdição é a função atribuída a terceiro imparcial, de realizar o direito de modo imperativo e criativo, reconhecendo/protegendo/efetivando situações jurídicas concretamente deduzidas, em decisão insuscetível de controle externo, e com aptidão para torna-se indiscutível.

Estabelecido o conceito de jurisdição, cumpre-nos refletir sobre seus conceitos trazidos.

Pois bem. Diante da elaboração de uma lei, cabe a alguém aplicá-la, que são os agentes investidos de jurisdição (em regra, juízes).

Tem-se, portanto, que esse agente deve ser imparcial, diante de um fato, uma situação concreta (salvo ações como Ação Declaratória de Constitucionalidade e Inconstitucionalidade), não existe jurisdição para opiniões na qual se pretende a aplicação do direito. Devendo esse fato ser controvertido, em outras palavras, não cabe a jurisdição em abstrato.

Obtendo uma solução ao caso concreto, consistindo em uma solução imposta. Exsurge, assim que não cabe às partes esquivar-se dessa obrigação, posteriormente ao fato ter sido levado a jurisdição. E uma vez decidido, não cabendo mais recursos, a decisão faz coisa julgada material.

Observa-se portanto que a Jurisdição é a possibilidade de aplicar o direito em um espaço territorial por um terceiro imparcial, criando a decisão que resolverá a situação concreta, tornando-se definitiva.

Vale ressaltar que, a jurisdição tem como característica a substitutividade, a imparcialidade, lide, o monopólio do Estado, a inércia, definitividade e a unidade.

Nesse contexto, a substitutividade implica em dizer que o juiz chega e profere uma decisão, independente do que as partes pensam, o juiz se substitui na vontade das partes e impõe a sua vontade, que é a decisão. Devendo esse processo ser analisado de maneira imparcial.

Como visto acima, mostra-se necessário haver uma lide composta por interesses diversos, em outras palavras, um conflito de interesses, onde o autor pretende algo, que não é aceito pelo réu, caracterizado por uma pretensão resistida.

Considerando a separação de poderes, foi conferido a um poder de dizer o direito. Justificando-se a característica do monopólio, pois só o poder judiciário tem a capacidade de dizer o direito, há países que admitem que outros órgãos decidam, no Brasil apenas o poder judiciário.

A jurisdição é o poder dado ao poder judiciário de dizer o direito. Apesar de doutrinadores como Humberto Theodoro Jr. preferirem definir a jurisdição como uma função estatal e não um poder:


Assim, em vez de conceituar a jurisdição como poder, é preferível considerá-la como função estatal, e sua definição poderia ser dada nos seguintes termos: jurisdição é a função do Estado de declarar e realizar, de forma prática, a vontade da lei diante de uma situação jurídica controvertida.

A jurisdição é exclusiva do Poder Judiciário. Neste norte, a jurisdição é exercida pelo poder judiciário, sendo una, e tem alcance sob todo o território nacional. Compreendendo o poder que o estado confere a determinado setor, órgão estatal, a dizer o direito, é um conceito abstrato por ser um poder de aplicar a lei em caso concreto.

Por inércia entende-se que a jurisdição não pode iniciar um processo, o processo é estimulado por vontade das partes (salvo no caso de inventário).

A jurisdição por sua vez é definitiva, resolvendo controvérsia definitivamente que é a coisa julgada. Quanto a essa característica, convém apresentar a ressalva de Cassio Scarpinella Bueno:


Será ato jurisdicional aquele que, praticado pelo Estado-juiz, ostentar estas seis características ou, quando menos, puder ostentá-las. Afirmo-o porque determinadas decisões jurisdicionais podem não ficar sujeitas à imutabilidade e, nem por isso, justamente pelas demais características e pela aptidão, ao menos em tese, de ter se sujeitado àquela característica, deixarão de ser um ato jurisdicional típico.

Unidade pois a jurisdição é uma só, a ideia de exercer o direito pertence a apenas um órgão que é a jurisdição, que é una, e todo juiz possui.

A jurisdição compreende também princípios, que serão citados a seguir.

Pelo princípio do juiz natural, entende-se que só pode exercer a jurisdição aquele que foi investido na forma da lei, sendo inadmissível a figura de um juiz ad hoc. Por isso, limita-se a possibilidade de exercer a jurisdição apenas por aqueles investido na forma da lei, seja por concurso ou por nomeação, consoante ao princípio da investidura. Reforçado, por sua vez, pelo princípio da indelegabilidade que veda a delegação da jurisdição. Todo território é abrangido por jurisdição, como preceitua ao princípio da aderência ao território.

A jurisdição é regida ainda pelo princípio da inevitabilidade, uma vez levado ao judiciário não se pode opor a essa decisão, sendo inevitável. E por fim, pelo princípio da inafastabilidade, por não poder ser vedado a ninguém ter o direito de litigar, sendo inafastável.

Jurisdição é um conceito abstrato, ela é concretizada a partir da competência, não podendo se falar em um limite do poder de decidir mas sim em um limite a partir de critérios legais (a lei prevê todas as resposta de competência), sendo a lei exaustiva acerca das regras de competência.

De outro lado, competência tem a ver com limitação territorial, dado pela lei para o exercício da jurisdição.

A competência é a quantidade de jurisdição cujo exercício é atribuído a cada órgão, ou seja, a ‘medida da jurisdição’. Em outras palavras, ela determina em que casos e com relação a que controvérsias tem cada órgão em particular o poder de emitir provimentos, ao mesmo tempo em que delimita, em abstrato, o grupo de controvérsias que lhe são atribuídas.

A competência não limita a quantidade de poder de jurisdição, ela apenas limita o exercício desse poder, objetivando otimizar o trabalho do Poder Judiciário, para dividir a competência, com determinados requisitos definidos em lei, que são os critérios de competência (em razão da matéria, funcional, dentre outros).

A rigor, a definição de competência do Código de Processo Civil é residual, pois a definição principal está na Constituição.

Competência de foro é diferente de competência de lugar. Destaca-se ainda que, a competência de lugar e regras gerais, estão no Código de Processo Civil e na Constituição Federal de 1988 mas a competência de foro encontra-se em leis judiciárias.

Quanto aos critérios estabelecidos pelo legislador que fixam determinada competência, observa-se a limitação da jurisdição realizada pelo Código de Processo Civil, sendo ela fixada em razão da: matéria; pessoa ; função ; do valor da causa.

Como é cediço, essa divisão pode gerar a uma competência absoluta ou relativa.

Na Competência Absoluta, que se dá em razão da matéria ou pessoa, o Poder Judiciário é o primeiro interessado. Diferente do que ocorre na competência relativa, em função do valor da causa e territorial, onde as partes são as principais interessados. Para complementação, vale transcrever a doutrina de Neves sobre o tema:

A incompetência absoluta não se prorroga, não havendo preclusão temporal para sua alegação e/ou reconhecimento. Diferente ocorre com a incompetência relativa, sendo nesse sentido a previsão do art. 65 do Novo CPC.

Conclui-se portanto que na competência absoluta, o interesse primordial é do poder público, por isso o juiz pode controlar de ofício, fundada no interesse do estado, sobre a qual as partes não podem acordar sobre, não podendo concordar com a outra parte pois o controle é do juiz.

Diferentemente do que ocorre na competência relativa, onde o principal interessado é o particular, o juiz só pode se manifestar se for impulsionado.

Com tudo supramencionado, pode-se perceber que a jurisdição se difere de competência. Uma vez que a competência limita-se a uma parcela de jurisdição, cada juiz tem o poder de dizer o direito, estando investido em jurisdição, todavia só lhe é permitido exercer em um espaço territorial.

Nesse norte, Greco assevera que:


Sendo assim, todo juiz tem jurisdição, mas nem todo juiz tem competência, o que demonstra que a jurisdição é exercida nos limites da competência de cada órgão jurisdicional.

Conclusão, o poder judiciário exerce o poder de decidir, que é algo abstrato, para esse poder ser materializado é necessário uma concretude, que é quem vai exercer esse poder, definido pela competência.

Ambos os conceitos são interligados, sendo a competência um pressuposto da jurisdição. Sendo a jurisprudência una, enquanto a competência é uma parcela de jurisdição, sendo a jurisdição mais ampla.

O poder judiciário exerce esse poder abstrato da jurisdição, que é concretizado por meio de quem exerce esse poder

A título de curiosidade, destaca-se que no código de processo penal, que é um código mais antigo (de 1941), traz o termo “conflito de jurisdição” que se mostra equivocado haja vista que o que conflita é a competência, dado que todos os magistrados têm jurisdição.

Ainda, sobre a diferença, todo juiz tem o poder de dizer o direito, o que vai limitar é a competência, a jurisdição exercida é a mesma, mas a competência é distinta. Nesse sentido, o juiz de Brasília e de Goiânia, exercem a mesma jurisdição, enquanto o elemento limitador do exercício da jurisdição é a competência. Sendo a jurisdição um poder e a competência uma limitação da jurisdição, a um certo espaço territorial. Não um limite ao poder de decidir, mas um limite a partir de critérios estabelecidos em lei. Especializando o poder de dizer o direito, por meio de critérios de competência.

A jurisdição tem uma capacidade genérica, abstrata de dizer o direito de forma definitiva. Já na competência também se tem a capacidade de dizer o direito de forma definitiva, porém no caso concreto, onde para cada processo há um juiz competente, mas não um órgão jurisdicional para cada caso concreto.

A diferença, na verdade, reside na competência ser o resultado de critérios para distribuição, sendo o âmbito pelo qual o juiz pode exercer a jurisdição, é a medida da jurisdição.


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Greco, Leonardo. Instituições de processo civil : introdução ao direito processual civil, v.1. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense , 2015.

Liebman, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil - Vol. 1.. Rio de Janeiro: Forense, 1984.

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